Empresas demitem casal de jovens acusados de racismo no Leblon

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Um casal de jovens acusados de racismo após sugerir que um rapaz negro teria furtado uma bicicleta no Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro, foi demitido das empresas para as quais trabalhavam nesta terça-feira (15).

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Após cobrança de usuários nas redes sociais, a Papel Craft comunicou que desligou o funcionário, designer da marca, de seus quadros. Já a Espaço Vibre comunicou nesta terça-eira (15) em suas redes sociais que a professora implicada no caso foi demitida. A empresa afirmou em nota que está “consternada” e “tratando o assunto com toda gravidade que ele merece”.

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“Nos solidarizamos com o Matheus pela dor sofrida e mesmo que o gesto condenável não tenha ocorrido dentro de nosso espaço, esta é uma violência que todos temos que combater juntos”, afirmou a Espaço Vibre no comunicado.

A ocorrência foi registrada pelo sistema virtual e remetida à 14ª DP, no Leblon. A vítima é esperada para depor ainda hoje. Por enquanto, apenas a menina envolvida no caso foi intimada a prestar esclarecimentos nesta quarta-feira, já que ela foi a única identificada pela vítima no registro. O jovem demitido poderá ser chamado a depender dos depoimentos.

Segundo a delegada Natacha Alves de Oliveira, o relato registrado pela vítima foi sucinto e não apresentou critério racial em seu teor, motivo pelo qual apenas após os depoimentos será possível determinar que crime será investigado ou não.

ENTENDA O CASO
O instrutor de surfe Matheus Ribeiro esperava a namorada em frente ao shopping Leblon no último sábado (12), quando foi abordado por um casal, que questionou se a bicicleta elétrica na qual estava era mesmo dele. A menina chegou a afirmar que era idêntica à sua bicicleta que havia sido furtada. O final da discussão foi gravado pelo instrutor e compartilhado em suas redes.

O instrutor diz que precisou provar ser o verdadeiro dono da bicicleta, com fotos antigas e até a chave do cadeado. Em um post nas redes sociais, ele relatou que o casal só desistiu quando o rapaz tirou a tranca de sua mão e tentou abrir com a chave que ele possuía. Ao ver que não abria e, portanto, a tranca e a bicicleta eram outras, ele pediu desculpas.

Na sequência, o jovem branco pede desculpas seguidamente, e afirma: “Eu não te acusei, só estou te perguntando”. Até que Ribeiro, já irritado, grita para os dois irem embora.

“A gente que é negro convive com esse tipo de situação desde sempre”

Nascido e criado na Vila do João, no Complexo da Maré, Matheus Ribeiro tinha contatos esporádicos com a Zona Sul, na adolescência. E quase sempre através da praia. Há quatro anos e meio, ele recebeu a oportunidade de aprender a surfar, ao receber uma bolsa de Marcelo Bispo em sua escolinha no Arpoador. Um mês depois, já começou a trabalhar como assistente do professor, principalmente com atividades braçais, como guardar as pranchas. Hoje ocupa posto mais alto e é instrutor técnico dos alunos.

Apesar de ainda morar na Maré, Ribeiro passa muitos dias na casa da namorada, em Copacabana, até porque o trabalho na escolinha ocupa seis dos sete dias da semana. Ainda assim, conseguiu iniciar, no início do ano, a faculdade de Educação Física, na Estácio. Seu sonho é seguir carreira na área do surfe.

Ser vítima de racismo não é uma situação inédita, explica. Mas o jovem diz que nunca havia passado por uma situação tão “constrangedora”.

— A gente que é negro convive com esse tipo de situação desde sempre. Mas nunca tinha sido tão constrangedor, apesar de não ser inédito — afirma o jovem, que gosta de se dedicar aos estudos de temas raciais. — Eu assisto e leio muito sobre o assunto. Além de estar em pauta, a gente passa por isso né, cara. Uma pessoa branca pode se interessar, mas eu vivo o assunto, preciso saber sempre como lidar com isso.

Dono da escolinha de surfe, Marcelo Bispo diz que Matheus é motivo de orgulho para ele. Sua rápida ascensão, de aluno a instrutor, ocorreu principalmente em razão de sua dedicação, educação e inteligência, explica Bispo, que destaca a frieza que seu pupilo teve ao conseguir filmar a discussão.

— Falei para ele trabalhar comigo, porque são pessoas assim que quero, educado, e com o astral lá em cima. Até brincava que eu estava dando sorte porque ele poderia ser modelo, de tão bonito. Não deu outra, ele é um excelente profissional, tenho muito orgulho dele — diz Bispo, que lembra de outros episódios de racismo com Matheus. — Em duas ou três ocasiões, agentes do Ipanema Presente o pararam para pedir documentos, e depois ele foi liberado. Quando eu vi o que aconteceu sábado, fiquei chocado. Foi grave, pesado. Como as pessoas fazem um troço desse? Eu não sou preto retinto, mas sofro para caramba como negro. Tenho trauma com banco, por exemplo. Será que a gente não tem direito de ter bicicleta elétrica? Só porque que ela é cara?

Se tivesse polícia no momento, poderia ser pior, lamenta o jovem.

Originalmente, Ribeiro diz que não pretendia registrar ocorrência, por não acreditar que o caso vá para frente, pelas vias legais. Mas, após ouvir conselhos, decidiu levar o registro à delegacia.

— O que eu espero é que no mínimo as pessoas que fizeram isso tenham consciência do que estão fazendo. Minha intenção na delegacia não é ganhar cesta básica. Eles aparentavam ser jovens formados nos estudos, e com informações que temos, precisamos estar ligados com isso — afirma o jovem.Ele deu mais detalhes sobre como se deu a abordagem:

— Estamos no Rio, claro que todo mundo tem medo de ser assaltado. Mas ali não havia nenhuma situação diferente. Estava todo mundo parado na rua. Por que eles pensariam que fui eu? Essas coisas que a gente fica se perguntando.

Desde o ocorrido, Ribeiro ainda não voltou para casa e continuou na casa da namorada. Mas seus familiares — ele mora com a mãe, além das três irmãs morarem nas casas ao lado — entraram em contato no fim de semana para perguntar como ele estava.

— Ficaram preocupadas, mas falei que eu estava tranquilo, que não ia deixar me abalar. Quando alguém próximo passa por isso, a gente fica com raiva né? Tentando entender. Mas é raiva momentânea — conclui o jovem, que ainda diz ter tido sorte da acusação não ter ganhado maiores dimensões naquele momento. — Conversei com amigos do trabalho hoje, e eu falei que dei sorte de não ter passado polícia. Para a polícia, até explicar que a bicicleta era do preto no Leblon poderia ser pior.